Por Eugenio Goussinsky
A paisagem do Rio de Janeiro reencontrou a camisa do Botafogo. Neste janeiro, ela voltou a fazer parte do cenário carioca. Quando não ela, a bandeira com o símbolo da Estrela Solitária. A imagem do clube voltou a ser vista como um dos orgulhos da cidade, como era nos tempos de Garrincha, Didi, Zagallo e Nilton Santos.
+ Leia mais crônicas do Lançamento Longo
As cores alvinegras já se misturaram novamente à rotina, depois dos títulos do final do ano, Libertadores e Brasileiro. Exibem-se nas portarias dos prédios antigos, no traje do mascate na praia, nas bandeiras sobre a areia.
Nos pedestres que a vestem orgulhosos pela orla, agora competindo com a de outros rivais. Nas lojas, nas janelas, do Leme ao Pontal, passando por Humaitá, Benfica e Tijuca, entre outros.
O clube teve origem distinta dos outros grandes. Surgiu por um ímpeto de estudantes, do Alfredo Gomes. Ficou conhecido por sua permanente luta. Por uma sede, pelo reconhecimento dos adversários, pelos títulos e até pela sobrevivência.
Ganhou uma característica própria, ao revelar craques inigualáveis, conquistar títulos inesperados, surgir da cinzas quando ninguém mais imaginava. Tornou-se o Glorioso.
Essa mística o fez se misturar à vida do carioca e do brasileiro. A solidão da estrela é a maior das características humanas.
Dos que andam de bermudas, de bicicleta, de mãos dadas pela Ataulfo de Paiva, nos bares. Dos que convivem com as cores do Rio, mas não deixam de ser solitários.
Estes títulos, depois de anos de baixa, foram uma redenção para a cidade. Ela ficou mais alegre com o retorno de um de seus protagonistas, ressurgindo novamente das trevas.
Na conversa com um amigo botafoguense, no Bar da Lagoa, ele olhou para a bandeira do clube, estampada lá na fachada e disse: “O Textor (empresário, atual dono) pensa nos números, mas já fez muito. Para o botafoguense, se ficarmos mais 10 anos sem títulos, o que houve em 2024 vai compensar.”
O clube agora se desfez de alguns jogadores. Há o temor de que Textor reorganize o time apenas pensando nas cifras. Alguns jogadores, como Almada, mostraram isso. Vieram, fizeram sua parte, mas deixaram a entidade aparentemente sem nenhum remorso.
Leia mais: “Amor de Filho Único”
O torcedor do Botafogo terá de se acostumar com esse novo modelo.
O maior campeão do ano passado entra em 2025 sem técnico. Sem projeto. Corre sério risco de botar tudo a perder ou de ressurgir de mais esta crise forjada pelas vitórias. Ser uma incógnita não é novidade na história botafoguense.
Mais 10 anos sem títulos? Meu amigo não se incomoda. O Rio seguirá belo. As praias, os morros, o cheiro de sal e saudade estarão sempre lá.
Dez anos, cem, e o tempo também não apagará o Botafogo. Do salto no escuro, da certeza do imprevisível.
Há botafoguenses, espalhados pelas ruas, escolas, estádios, bares, que embelezam a cidade nas vitórias.
Há o Botafogo, presente na essência dos humanos. Tristes ou alegres. No olhar do meu amigo botafoguense, mesmo embalada pela felicidade, eu vi uma estrela solitária. Como no de todos nós.