Escurece em Santo André.
Luzes pingam em vários pontos.
Nas lâmpadas das praças, nos prédios bem longínquos.
Outras se apagam, no fim do expediente, na Câmara Municipal.
O Fórum já fechou, silêncio de fora vem aumentando, englobando o Fórum, as ruas, as esquinas quase vazias.
Vozes ainda no departamento falam de política do concreto esquecido no dia seguinte. “Vou marcar para amanhã a reunião, que horas?”
Sons distantes de ônibus freando trazem uma sensação de liberdade, paz que se mistura ao som da chuva leve namorando o vento.
Trovõezinhos sussurram como a percussão suave da orquestra.
Vento da noite, movimenta nuvens que vão tingindo o céu cinzento, desembocando no preto.
Da janela ele olha para trás dos prédios, não vê, imagina, e sua vista desliza para além do último para-raio vermelho.
Onde as montanhas se fazem serra, etapa derradeira rumo ao mar.
O teclado da menina ao lado soa emburrado.
Mas ele resiste à limitação estética da aparência.
Ele trabalha, sim, e muito.
Faz poesias na política de Santo André, pela escuridão que vai caindo, desfazendo mais um entardecer.
Escreve linhas olhando as árvores do Paço, onde está o seu espaço? Noite azul escura, cinzenta, abstrata.
Mergulha no cenário e trabalha. Vê sua imagem refletida no vidro com o fundo negro lá de fora. Parece sério, seu semblante ainda estampa tristeza.
Mas ele já sorri para o breu, que agora só traz o contorno desigual dos prédios. O breu sugere. Ele segue. Encontra o passo, espaço no Paço.
Trabalha o verso. Passeia pelas palavras, as esculpe, tateia aqui e ali, vai seguindo no caminho, transportado por luzes que pingam em seu interior, pela noite.