Da tela da TV para o mundo

Da tela da TV para o mundo

Desde criança, ele intuía que a vida é um permanente diálogo com o tempo. Ainda não tinha a convicção madura de que se trata de algo similar a uma ampulheta. Mas, mesmo acreditando que os dias seriam lentos, para não dizer infinitos, se identificava com a frase de Antônio Marcos, na música que era tema da novela “O Profeta”: “Eu quero me ver, em mil novecentos e noventa e seis. E dizer sim ou não aos processos de vida de lá…”

 

Era o ano de 1977. E embalado no refrão “Quem dá mais…” desfrutava daqueles anos com as novelas servindo como um suporte para sua timidez, para sua sensação de desamparo diante dos outros, para ele, por muitos motivos legítimos, não tão confiáveis.

 

Muitas vezes mais do que os professores, os atores, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, se mostravam íntimos, generosos ao se vestirem com um personagem que o acolhia. A quem admirava, se inspirava, idolatrava. Grato, ia dormir mais leve, após os desfiles de enredos que movimentavam seu imaginário.

 

Teve como primeiro ídolo Carlos Augusto Strazzer. No papel de Daniel, na citada novela, se encantava com a personalidade forte, o estilo sedutor, o conflito com o sobrenatural, que, com dons paranormais, obrigava o personagem a permanentemente se ver no pêndulo entre a ambição e a humildade.

 

O menino já admirava o ator nos tempos de Carlos, de “O Direito de Nascer”, por, nesta história, expor um outro lado, maduro, sério, com uma triste doçura que se direcionava a lidar com a luta diária, o trabalho, a responsabilidade, a realidade.

 

Passou então a encontrar nele mesmo, um pouco de Daniel, um pouco de Carlos, que o ajudaram a se sentir mais forte no dia a dia.

 

Quando era alvo das brincadeiras escolares, lembrava-se deles e se via como privilegiado:

 

“Assisto novelas, tenho eles ao meu lado e dentro de mim”. O mesmo fazia em relação ao futebol, em tempos nos quais era pioneiro em se mostrar ligado ao seu time de coração.

 

Depois vieram outras referências: Tarcísio Meira, em “Os Gigantes”, no papel do romântico Fernando, personagem que tinha como tema a música “Super-homem”, de Gilberto Gil.

 

E depois o desfile de histórias se estendeu por anos, transformando as noites em momentos de sonhos e reflexão.

 

Era quando se apresentavam, por meio daquelas telas mágicas, verdadeiros amigos, como Paulo José e seu poder de tranquilizar, Flávio Migliaccio e sua rica simplicidade, João Carlos Barbosa, o eterno menino.

 

Milton Gonçalves foi o seu companheirão. Desde muito antes da internet, as interpretações dele compartilhavam algo. Uma gentileza acolhedora, uma empatia em relação às questões humanas.

 

Pelos anos 80, desde “Baila Comigo”, “Sinal de Alerta”, “Roque Santeiro”, o estilo de Gonçalves misturava educação e firmeza, doçura com dignidade e eram, além de entretenimento, ensinamentos.

 

Gonçalves se tornou o símbolo de uma luta pela inclusão e igualdade dos negros, de uma maneira elegante, eficiente, cheio de consistência, maturidade e amor ao próximo. Isso emanava em seus personagens. Até nos vilões, escancarando com clareza o conceito de que todos têm um lado bom.

 

Mas chegou um momento em que esses grandes nomes estão se despedindo. Tirando as vestes dos personagens e se mostrando humanos.

 

Novela e realidade, agora, se misturam em sua visão de adulto. Ele ainda tenta assistir às reprises preso àquele momento de esperança. Nem sempre consegue.

 

De 1977 a 1996, ano em que Antônio Marcos queria estar, foram 19 anos. E de 1996 para agora, muito mais, 26. Criança que ele era naqueles anos 70, também queria estar em 1996. Saber o futuro.

 

Mas, com o passar dos anos, deixamos de olhar só para a frente e passamos a querer também estar no passado. Saciar a saudade.

 

Os eternos Tarcísio Meira, Flávio Migliaccio, João Carlos Barbosa, Milton Gonçalves e tantos outros partiram, como homens e mulheres brilhantes em suas trajetórias. Strazzer se foi em 1993, sem nem ter conhecido 1996.

 

Como personagens, eles se perpetuam.

 

O tempo também é assim. Como as novelas.

 

Ficção e realidade um dia acabam se juntando. E então percebemos que passado, presente e futuro, no fundo, sempre estiveram juntos. Tão dentro de nós, como a tela da TV no calor das nossas casas.

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