O adolescente parou de fazer a lição no momento em que o pai entrou no quarto. Desviou o olhar do computador e, sentado na cadeira, diante da escrivaninha, mostrou que aprendera uma lição.
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“Pai, o Corinthians é muito engraçado! Estava quase rebaixado, de repente ganha OITO seguidas (falou rindo, com ênfase) e vai para a Libertadores!”
A risada do pai confirmou a descoberta do jovem. O sofrimento do corintiano é também diversão. Consciente disso, ele segue à risca, aliás, a frase do filósofo Sócrates: “Conhece-te a si mesmo.”
Todo o corintiano, não importa o nível social ou de instrução, tem um diferencial de, mesmo silenciosamente, ter uma plena consciência de quem é e de como funciona.
Sua irracionalidade é muito bem resolvida. Tem uma turbulência tão suave que chega a acalmar mesmo estando furiosa.
Nos bares, na roda de samba ou no escritório, o assunto Corinthians ganha essa áurea de permanente incógnita, de desafio e da crença permanente no imprevisível.
O porto seguro do corintiano é viver com o coração na mão. Pulsando. Conversa entre corintianos sempre tem essa sabedoria como pano de fundo. A vida é bela com esta paixão.
O corintiano tem orgulho da própria insanidade, que, diferentemente de torcedores de outros clubes, não coloca no futebol uma forma de extravasar frustrações.
Ser Corinthians, afinal, é uma necessidade de sobrevivência. É tão vital como respirar. Por isso a vitória ou a derrota não são determinantes para essa relação.
Ser Corinthians é a própria personalidade do cidadão, a sua identidade, completamente inserida no clube, com a mesma importância do histórico familiar, do aprendizado na escola, das memórias de infância, da formatura, do casamento.
No Corinthians, torcer é estar com uma doença saudável. Torcer para o Corinthians é a cura. Essa energia é captada pelos jogadores, sempre.
Na depressão, eles afundam tanto que dão a impressão de que sucumbirão. Empatam de forma supreendente com equipes menos tradicionais, no Itaquerão. Perdem em casa jogos ganhos.
Apenas um sopro de confiança que eles captam nas ruas, vinda das arquibancadas, até nas cobranças, é suficiente para engatar uma sequência de vitórias. Ganham com o pé nas costas jogos que, naquela fase complicada, perderiam ou empatariam.
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Transformam, com uma naturalidade impressionante, o que parecia impossível antes, em algo fácil, ao se olhar para trás. Ganham oito jogos seguidos e fazem uma probabilidade de 0,04% se tornar 100%.
São capazes de levar qualquer probabilidade racional a ser uma ilusão infantil.
Depois de filosofar sobre isso, o pai respondeu para o filho sorridente. “É filhão, nós corintianos somos mesmo engraçados.”
A conversa com o filho, como sempre, foi terapêutica. Deixou para trás todos os seus problemas daquele dia.
Sentiu alívio por saber quem ele era: simplesmente, um corintiano. Orgulhou-se por fazer parte do bando de loucos. E não precisar nem de remédio, nem de psiquiatra.
4 comentários em “Ser Corinthians”
Acertou na veia! Parabéns!!!!!
Obrigado, Auro, abraço
“Ser Corinthians, afinal, é uma necessidade de sobrevivência. É tão vital como respirar. Por isso a vitória ou a derrota não são determinantes para essa relação.”. Sempre tento explicar isso aos que não foram abençoados pela espada de jorge… mas vou usar suas palavras, de agora em diante. Grato.
Fico feliz de ter ajudado. Isso também me ajuda. Abraço