Por Eugenio Goussinsky
O homem miudinho estava sentado debaixo da árvore. No calçadão em obras, de frente para a praia. Não estava de calção. Tampouco sem blusa. Vestia camisa de manga longa, calça e chinelo. Pretos. Pretinhos.
Gastos, mas confortáveis. Usava um bonezinho. Que contrastava com seus curtos cabelos brancos. Misturados com o brilho de seus olhinhos.
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O homem miudinho mastigava o sulco do coco. Como se fosse o tempo. Raspava e comia. Olhava a roda de trabalhadores. O céu envolvia a tarde. E ele se envolvia na tarde. Via ao longe a areia com cimento, carrinhos, pás.
Dois trabalhadores estavam agachados. No ritmo do entardecer, colocavam os mosaicos no piso. O homem miudinho se levantou. Deslizou com o chinelinho até os pedreiros. Entrou na roda, observou. Conversou com um, com outro. Com poucas posses, sentia-se o dono daquela tarde.
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Agachou o corpinho e, de frente para o mar, passou a colocar mosaico por mosaico. Ali era o seu mundo. Não se vestia como banhista, nem turista. Trabalhava onde vivia. Pertencia àquela paisagem, como se fosse parte do mar, da areia, das montanhas verdejantes que cercavam a baía. Até dos navios, que já lançavam suas primeiras luzes para a noite.
O homem miudinho tinha uma simplicidade gigante. Maior do que o pôr do sol. Não sabia o que era ganância. Nem pensava na mesquinhez. Só inseria as pedras como se fossem um quebra-cabeça mágico. Como elas, ele estava encaixado lá.
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Então o homem miudinho surpreendeu. Deu um saltinho, desceu serelepe a escadinha e andou até o meio da praia. Acariciou o carrinho de coco. Ajeitou alguns deles, afiou o facão. Sentiu como um canto o barulho da brisa que roçava no guarda-sol.
Fez uma forcinha. Pezinhos na areia, empurrou o carrinho para longe da maré. Estava em casa. Na sua praia. Com o seu carrinho. Do rosto magrinho se percebia um prazer. A felicidade em estar lá. Só lá. O homem miudinho mais parecia um passarinho.