Três homens na loja de celular

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Três homens na loja de celular

O homem entrou na loja à procura de uma película e de uma capa para o celular. Estava com pressa, essa pressa de hoje em dia. Pressa insana que não permite olhar para o lado. Pressa que se insinua em cada motivo, do cartão da zona azul ao horário do telefonema que não pode esperar.

 

Pressa muito potencializada pelo uso do WhatsApp que nos acostumou mal, com sua instantaneidade. Uma fila, ainda que pequena, hoje, é um drama para a nossa paciência.

 

Foi assim que ele entrou na loja. E foi assim que se incomodou quando, apressado, viu que o único vendedor no setor estava conversando com um homem simples, calvo, postura curva e roupas gastas pelo tempo, que chegava a parecer um pedinte.

 

Pediu licença, sentindo-se legitimado pela pressa, e logo foi fazendo seu pedido.

 

O vendedor, de pronto, o atendeu, voltando-se para o homem simples. “Espera aqui do lado do balcão, pai”.

 

Pai. Essa denominação tocou fundo no cliente. Desconstruiu sua pressa mesquinha. Colocou-o novamente no mundo humano, transformando sua arrogância padronizada em um arrependimento individual.

 

Pai, a palavra mágica, enobrecedora, iluminou aquele recinto com uma energia terna e profunda.

 

Aquele homem simples, fala tímida, humilde, queria pedir ou dizer algo para o seu filho.

 

O vendedor, com profissionalismo, não deixou de esconder que se sentia responsável por seu velho. Na cena, transpareceu que o senhor precisava de ajuda, permanente.

 

E que, ao mesmo tempo, ele se orgulhava de seu filho, um vendedor que conseguia ganhar a vida na loja de celulares.

 

No balcão, dois degraus acima, o moço não demorou a entregar a película e a proteção para o comovido cliente.

 

Fez questão de oferecer ainda uma outra mais incrementada, com um vidro especial. De longe, o pai aguardava, perto da porta.

 

A presteza do vendedor, no entanto, já contrastava com a angústia do comprador.

 

Mas este não teve como interromper aquele trabalho tão profissional do funcionário, acompanhado à distância por um olhar que misturava orgulho e necessidade de proteção.

 

A pressa do cliente já mudara de tom. Agora ele queria encerrar o atendimento por outro motivo. Não por si mesmo.

 

Pelo homem lá na porta, iluminado por aquele olhar a misturar orgulho e carência. Olhar que esbanjava uma dose de conformismo com os desígnios da vida.

 

Mas que era forte também, por transmitir a tão rara paciência, a mesma que faltava a todos que entravam na loja afundados em seus interesses imediatos.

 

“Vai, vai falar com ele”, disse finalmente o cliente ao vendedor.

 

E viu, atento, o moço, agradecido pela compreensão, se dirigir ao homem, interrompendo seu trabalho para perguntar o que ele queria.

 

A mão direita pousou no lado esquerdo do pescoço daquele senhor. E enquanto o ouvia falar bem baixinho, o rapaz, discretamente, acariciou com ternura o ombro do seu pai.

 

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