Eugenio Goussinsky
Os cabelos do menino eram levemente cacheados. Do olhar, apenas se percebia a doçura, quando os olhos estavam entreabertos, entre o sono e a vigília. A parte de lado dos lábios estava totalmente encostada no busto da mãe. Com o ouvido no peito dela, ele só tinha uma certeza do que escutava: a batida do coração.
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Ela tinha um busto volumoso e acolhedor. A maciez que a lateral da face do garoto encontrava era suficiente para abafar boa parte do som que vinha de fora. Mas, com o outro ouvido, ele escutava algo que não entendia.
Não sabia se estava acordado ou sonhando. Parecia que a mãe, em pé, falava com alguém, enquanto, com um dos braços, o segurava pelo bumbum. As perninhas pareciam penduradas e o pé balançava de lá para cá, com o movimento do metrô. O tênis pequenino, no pé do menino, era um sinal do esmero da mãe.
Neste estado de meia vigília, o menininho mantinha os olhos meio abertos. Como se estivesse acordando o tempo inteiro. O som da voz da mãe não era claro e, ao mesmo tempo, o impedia de adormecer.
Até que, num instante de silêncio, ele se entregou ao sono. Em seus sonhos, uma cena flutuou com a clareza de um conto mágico: o patinho amarelo que vira dias antes, rolando despreocupado pelo chão do metrô. Naquele dia, não pôde pegar aquele boneco, o vagão ficou cheio, e eles partiram. Mas, agora, o patinho estava lá, no campo vasto de seu sono. Era como se o tivesse ganhado para sempre.
Na continuação do sonho, os pequenos tênis ganhavam vida própria e caminhavam sozinhos. Andaram, como ele sempre quis, até uma loja com um videogame iluminado, onde seus passos discretos apertavam os botões imaginários. Ele jogava, só ele e seu tênis, sem corpo, mas com o coração leve, pulando de uma alegria invisível.
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Ele seguiu caminhando até uma casa confortável. O sonho prosseguia. Lá dentro, encontrou um quarto com televisão e um monte de brinquedos espalhados. Ele podia tocar em tudo, correr de um lado para o outro, se sentir em casa. Era o lugar perfeito.
Quando parecia que o sonho continuaria até o fim do dia, o som do sinal do metrô o trouxe de volta. Acordou. A mãe e ele trocaram rapidamente de vagão. Mesmo no colo, o menino ainda estava cansado.
Por um instante, assim que a mãe novamente falou, já dentro do trem, ele entendeu enfim o que ela dizia: “Compre bala, compre bala, R$ 2 para ajudar!!!” Sentiu o aconchego daqueles peitos quentes, repleto de carinho e segurança materna. Fechou os olhos outra vez. E, sem pressa, voltou a sonhar.