Ele acabara de fazer a regulagem do motor de um Fiesta. No galpão da oficina, sentiu-se cansado logo pela manhã. Precisou, novamente, dar uma paradinha. Lembrou-se da infância, pensou em como sempre foi apaixonado por carros, pelo universo das peças, pelo cheiro de combustível que a ele lembrava os mais requintados perfumes. Ficou recostado na frente do carro que consertara, com o capô erguido.
Voltado para a rua, seu olhar alcançava o infinito. Cabelos penteados para trás, nariz retilíneo e queixo longo. Aquele estilo italiano já despertou muitas paixões na juventude. Agora, perto da velhice, ele continuava com o hábito da divagação, de avental e com as mãos sujas de graxa.
Sobre a vida, sobre como podia ser feliz e infeliz naquele lugar, em que os carros, apesar dos roncos, não são ferozes, tampouco surpreendentes, como aqueles que os dirigem.
Lembrou-se de um personagem de Voltaire que dizia algo a respeito da nobreza do trabalho. “O trabalho afasta de nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade”.
Nada de ambições desenfreadas, que só levam o homem à loucura, distanciando-o do engrandecimento pessoal. Pensou nisso e virou-se para a máquina, agora perfeita graças à sua dedicação.
Sentiu-se satisfeito, e não apenas conformado, com o seu mundo.
Tinha como principal ferramenta a reflexão.
Ele era mecânico.
Mas seu pensamento, não.