A cidade de Santos tem um ar emblemático. Nela se mesclam passado e presente, pobreza e riqueza, cultura e frivolidade. Cidade mágica porque aglutina regionalismos: os caiçaras falam tu, como no Rio Grande do Sul. Nas ruas, o aspecto colonial se mistura a algumas construções novas.
Quinta-feira, três da tarde. Nos jardins do calçadão da praia, um menino de chinelo conversa com um adulto sem camisa. Um pai conduz o filho até a areia e depois compra uma cerveja na barraca. Um bêbado tropeça no lixo ao lado da escada.
O vento sopra o cheiro da maresia. Enquanto isso, os navios se espreguiçam no horizonte. E as ilhas acenam tentando vencer a distância da costa, do homem, do mistério daquelas águas escuras.
Naturalmente escuras, como os olhos castanhos de uma sereia decadente.
Santos é bonita em sua integração do novo e do velho.
Por sua neurastenia praiana.
Por seus mendigos dançando com a garrafa à beira-mar.
Pelas moças do interior com biquini que as revelam.
Pela melancolia que vira alegria à espera de algo, sempre que a manhã rompe nos morros.
Ou quando se acende o colar de prédios da orla.
Santos trabalha para aparar arestas.
Transforma pesadelos escuros do cais em sonhos alegóricos dos cruzeiros.
Mistura de céu, mar e gente.
De urubus e de colibris.
Do futebol moleque que afasta a tristeza.
De história e de tecnologia.
Do cheiro de peixe e do aroma de jasmim.
De carros modernos que cruzam trilhos de trem.
Cidade simples e complicada.
Grande e pequena.
Onde a mata vence a fumaça.
Lugar que revela o paradoxo humano.
Símbolo da alma do Brasil.
A palavra Santos tem a ver com o sagrado, são.
Mas a loucura lateja na cidade mais carioca de São Paulo.
Ela mexe comigo, como uma prostituta idosa e cheia de charme.
Nas férias escolares, em seu seio me isolava, assustado.
Em prantos.
Na sua inocência pervertida, plantei a semente de minha maturidade.
E hoje posso dizer que amo os seus truques, fundamentais para nos mantermos vivos, a cada pôr-do-sol no Boqueirão.